Trabalhando por desenvolvimento real no Fórum Social Mundial de 2018

Trabalhando por desenvolvimento real no Fórum Social Mundial de 2018
Alexandre Andrade Sampaio

Uma manifestação da sociedade civil global, o Fórum Social Mundial congrega comunidades, povos, movimentos, organizações da sociedade civil e apoiadores de causas que visam à garantia de direitos humanos e ambientais, refutando visões totalitárias e reducionistas em relação a economia, história, desenvolvimento e o uso da violência como instrumento de controle social. Ao participar da edição de 2018 em Salvador/Bahia, a International Accountability Project (IAP) teve a oportunidade de presenciar manifestações tradicionais e de resistência de povos como indígenas Pataxós, Terena, Guajajara, afrodescendentes e outros. Espetáculos musicais, teatrais, artesanais ao ar verdadeiramente livre se somavam às manifestações de luta por justiça, terra e vida, na busca de outro mundo possível.

Durante sua jornada pelo fórum, a IAP procurou contribuir com sua metodologia de trabalho que visa prevenir impactos em direitos socioambientais de povos e comunidades possivelmente afetadas por projetos e políticas financiados por instituições nacionais ou multilaterais, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Banco Mundial.

 

Placa de orientação do Fórum Social Mundial no Campus Ondina da Universidade Federal da Bahia

Junto com a Associação de Favelas de São José dos Campos, o Centro de Informação sobre Direitos Humanos e Empresas e a Conectas, a IAP falou de seu trabalho preventivo durante uma roda de conversa sobre violações ocorridas na cidade de São José dos Campos/São Paulo em razão de projetos financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Em grande parte pela falta de informação e participação adequada, comunidades de baixa renda foram removidas para longe de seus locais de trabalho e da malha de transporte urbano da cidade, enfrentando violência e discriminação diariamente; algo que nada tem de novo em processos de gentrificação a favor das classes mais abastadas e empresas de grande porte no Brasil e no mundo.

Como explicou a IAP em sua contribuição durante a roda de conversa, recentes estudos realizados através de seu Sistema de Alerta Prévio indicam que a falta de participação informada continuará a ser um grave problema do grupo BID caso suas políticas e práticas não sejam modificadas de forma substancial. Em uma análise de 96 projetos sendo considerados para financiamento pelo BID-Invest, o braço privado do grupo BID, verificou-se uma grande falta de cumprimento dos padrões internacionais de acesso à informação. Como exemplo, tem-se que indivíduos possuem, para a maioria dos projetos, um tempo médio de apenas 39 dias para tomar ciência da publicação na página do banco, ler todos os documentos de estudos de impactos socioambientais – que possuem centenas, quando não milhares, de páginas em linguagem extremamente técnica e muitas vezes estrangeira -, repassar as informações de forma compreensível para suas comunidades e então deliberar sobre uma opinião em relação ao projeto antes que a junta diretiva do banco decida sobre o investimento. É difícil imaginar que uma instituição possa realmente crer que comunidades afetadas por seus projetos e políticas possam significativamente ter sua voz ouvida dessa maneira. Não fosse isso suficiente, as análises da IAP revelam ainda que apenas cerca de 5% dos projetos possuem estudos de impactos socioambientais disponíveis quando da sua publicação no site do banco. Tampouco há informações de contatos específicos para requisitar maiores informações ou informações sobre o mecanismo interno de reclamação da instituição (MICI).

http://rightsindevelopment.org/project/acceso-a-la-informacion-en-la-corporacion-interamericana-de-inversiones/?lang=es

Tal prática é uma direta consequência da política de acesso à informação da instituição, que prevê possibilidades de negação de informação com base em conceitos extremamente genéricos e problemáticos. Como exemplo, estudos de impactos socioambientais de projetos que não sejam da máxima categoria de risco socioambiental só devem ser respondidos a interessados. Mas quem decide a categoria de risco do projeto? E quem determina quem são as partes interessadas? Qualquer comunidade preocupada com impactos que possa eventualmente sofrer é interessada segundo os parâmetros do banco? E as organizações que visam enviar informações a essas comunidades, são interessadas? Dezenas de pedidos de acesso à informação sobre projetos enviados pela IAP para o e-mail genérico disponibilizado pela instituição nunca foram respondidos.

A análise demonstra claramente que ainda não foram criados espaços institucionais para uma mínima participação informada de comunidades possivelmente afetadas por projetos e políticas sendo consideradas para financiamento pelo banco. É para tanto que a IAP busca contribuir no processo de reforma da política de acesso à informação que está sendo iniciado atualmente. Outras instituições que replicam tais dificuldades na América Latina e outros locais deveriam se atentar para essa análise e buscar uma modificação tanto em suas práticas como em suas políticas.

 

Roda de conversa sobre caso de São José dos Campos no Fórum Social Mundial 2018

Deve-se ter em mente que o que está se buscando com isso não é nada revolucionário. O direito de acesso à informação e devida participação é algo codificado na esfera internacional há mais de meio século, sendo exaltado na primeira assembleia geral da ONU como a pedra de toque de todos os direitos fundamentais aos quais se dedica a instituição. A detalhada codificação de tal direito passa desde então a figurar na Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, na Convenção Americana de Direitos Humanos, na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 e mais recentemente na convenção sobre o princípio 10 desta última declaração.

Como aclara a Declaração da ONU sobre o direito humano ao desenvolvimento de 1986, a participação é elemento necessário de qualquer processo que vise ser adequadamente chamado de desenvolvimentista. Uma interpretação conservadora da declaração determina que tal participação deve ser proporcionada, no mínimo, na fase inicial de desenvolvimento de projetos e políticas. A visão que visa à real garantia de direitos, no entanto, pressupõe que planos de desenvolvimento devem ser pensados e priorizados pelos próprios povos e comunidades afetadas, através de metodologias por elas escolhidas.

É com essa visão antirreducionista de desenvolvimento, em consonância com os princípios do Fórum Social Mundial, que a IAP espera poder contribuir e se unir a parceiros do evento, na busca de um futuro inclusivo e que respeite as prioridades comunitárias.


Alexandre Andrade Sampaio é coordenador de políticas e programas da International Accountability Project e está situado no Brasil.